Meus dias de quarentena com minha filha: se perdoar e se transformar é fundamental

Era mais um dia de confinamento. Acordar positiva em prol de uma luta maior, o fim da disseminação da síndrome COVID-19, seria a primeira meta a cumprir. As demais eram parecidas com as de um dia normal: ler, tomar meu chá e olhar as tarefas do dia. A aula de yoga online se tornou um adendo na rotina de enclausuramento. Mas antes que eu terminasse essa “válvula de escape” Helena, minha filha, aparece na minha visão carregada de bichos de pelúcia e pedindo colo.

Como ela acordou mais cedo do que de costume, percebo a chance dela voltar a dormir. Não dou bobeira, vou com ela pro quarto até me sentir confortável para voltar ao meu refúgio espiritual. A segunda etapa do seu sono durou menos de uma hora, tempo útil para que eu voltasse pra dentro de mim antes de dar start às obrigações entre mãe, dona de casa e profissional.

Pensando aqui comigo, não sei onde eu estava com a cabeça quando achava que ia conseguir turbinar meu currículo com 500 cursos na internet disponíveis com apenas um apertar de botão, sem precisar de muitos esforços financeiros inclusive, já que grande parte deles é de graça. Mas, sinceramente, já me dou por satisfeita conseguir concluir dois deles que, com muita empolgação, fiz a inscrição.

Os dias com a Helena em casa sem pôr o nariz para fora tem sido intensos. A gente brinca, briga, se abraça, dança, ri, chora e dorme agarradinha.

E por mais que eu acorde achando que tudo vai ser diferente, que vou saber dominar minhas fraquezas e conseguir dar mais atenção a ela (pois sempre achamos que estamos em falta com nossos filhos) eis que esse esforço cai por terra em vários momentos.

Mesmo com uma rotina minimamente programada no meio de toda bagunça que acompanha um novo ritmo, lidar com notícias novas a todo instante é perceber um futuro cada vez mais opaco e estar certa de que a reprogramação acontecerá, sobretudo a da mente.

Penso aqui que se antes a maior parte da população como eu estava condicionada a viver pensando no futuro agora se vê obrigada a estar mais presente, seguindo um dia de cada vez como se, de fato, não houvesse amanhã. Aliás, essa aflição causada pela incerteza e o sofrimento coletivo de assistir pessoas passando necessidade e não ter sabão para lavar as mãos corrói qualquer ser humano que se encontra perdido na esteira dessa crise mundial.

Ficar confinada com uma criança que, à sua maneira, também sente isso tudo e não tem o mesmo entendimento como nós adultos pode abalar as emoções dos pais. Em doses bem homeopáticas, essa experiência pode ser parecida com a do resguardo no puerpério com a diferença de que, neste último caso, existe a previsão de um fim para o isolamento social, o que ameniza a possibilidade de um sofrimento.

Parar de olhar a panela no fogo pra fazer trança no cabelo da boneca pode ser o estopim para uma mãe preocupada e aflita com o presente e o futuro.

Diante das tragédias diárias que atingem o mundo ficar com o braço riscado de canetinha é nada, assim como a comida feita com carinho que é desprezada, só que tudo pode ser o fim para uma mãe à beira de um colapso nervoso. Ao mesmo tempo, seria até injusto esboçar qualquer insatisfação uma vez que há tanta gente em condições bem vulneráveis.

E de repente eu que sempre fiz de tudo para ser a minha melhor versão para a minha filha tenho mostrado, por várias vezes, o meu lado mais sombrio.

 

 

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