Uns anos atrás uma colega transformou o nosso almoço em uma aula sobre como dividir as tarefas de casa com o marido de forma justa e equilibrada. Firme e desapegada sobre a possibilidade de uma desordem da casa, foi categórica quando disse que ‘se fazia de rogada’ quando via que o lixo estava na hora de ser trocado e a pia transbordando de louça para lavar, obrigações estas que competiam ao marido.
Ruth Manus, em seu livro ‘Mulheres não são chatas, mulheres estão exaustas’, diz que “quando pedimos ‘ajuda’ estamos afirmando que aquele trabalho é 100% nosso e que somos totalmente responsáveis por aquilo, quando, na verdade, aquela obrigação é da outra parte”.
Num cenário em que a mulher e o homem trabalham fora, dividem as contas da casa, por que o peso maior da gestão da casa, dos filhos e de tantas outras burocracias da vida tem que recair sobre a mulher?
“Em geral, nós, mulheres, continuamos a reforçar a falsa ideia de que as mulheres são sempre, naturalmente e biologicamente capazes de sentir, expressar e gerenciar nossas emoções melhor do que os homens”, diz Dra. Michele Ramsey, Professora Associada de Artes e Ciências da Comunicação na Penn State Berks, em entrevista à Harper’s Bazaar
Talvez, por conta de todo o nosso histórico em que sempre fomos obrigadas a sermos fortes e a resistirmos a tudo caladas, carregamos essa tal necessidade de reafirmarmos [para nós mesmas] que damos conta de tudo, que somos emocionalmente fortes e solucionadoras de problemas. Mas, os tempos são outros.
Somos tão cobradas a atingir o sucesso 360 graus, em casa, no trabalho, no relacionamento, que não dá pra colocar tudo num bojo e fingir que está tudo bem, porque definitivamente não está. Então que tal começar nos livrando do controle de forma que o homem tenha suas obrigações na mesma medida que nós?
Bem, e quando se trata de mães que moram sozinhas com seus filhos, o buraco é beem mais embaixo, já que o papel de gerência da casa sempre vai ser nosso por sermos o único ponto focal desse ambiente. O que não impede de construirmos uma rede de apoio que envolve família, amigos e vizinhança e, sim, exigir a participação da outra parte, pois, se existe uma mãe que está fazendo “100%, 80%, 70% e se sente exausta é porque tem um outro lado que não está fazendo seus 50%”, lembra Ruth Manus.
Mas, voltando ao ponto de início e falando de nós mulheres como um todo, suportar toda essa carga de fazer a maior parte do trabalho doméstico, bem como o cuidado com os filhos, é cansativo e frustrante. Nessa toada de funções, lutamos contra a exaustão e a sensação de impotência todos os dias.
Em uma matéria no “The New York Times” com o título em tradução livre “Como a sociedade deu as costas às mães: não se trata apenas de esgotamento, mas de traição”, (leia aqui) a psiquiatra Wendy Dean diz que o “impacto esmagador sobre a saúde mental das mães que trabalham [na pandemia] reflete um nível de traição social. Não se trata de esgotamento, mas sim de uma escolha da sociedade”.
Contextualizando, a médica diz que o que estamos vivendo é mais profundo do que imaginamos, pois fomos traídas por escolhas erradas de pessoas com poder de decisão sobre uma nação e estamos pagando o preço por isso, tendo que fazer escolhas para as quais não nos resta outra opção.
Por isso, quando tocamos no assunto ‘dividir tarefas em casa’ estamos falando de política, em possibilitar à mulher espaço para ela cuidar da sua cabeça, do seu bem-estar, dos seus estudos, da sua carreira, de viver tempo pra si da sua maneira para que se sinta bem e, consequentemente, a sociedade possa receber dela o seu melhor.
Uma pesquisa do IBGE, feita em 2018, revelou que as mulheres dedicam, em média, 73% a mais do seu tempo às tarefas domésticas do que os homens. E, apesar da dupla jornada, ou seja, trabalho fora e dentro de casa, ser cada vez mais uma realidade de ambos os gêneros, precisamos fazer com que homens sejam nossos aliados feministas.
Ainda sobre o livro de Ruth Manus: “As tarefas domésticas e todos seus desdobramentos – econômicos, sociais e psicológicos – é assunto que afeta todas nós, em maior ou menor grau, e que precisa estar em pauta.”
A autora divide o relato da professora italiana Giulia Manera: “A mulher nunca foi emancipada. Ela foi requisitada pelo capital. As tarefas domésticas nunca foram exatamente redistribuídas ente o homem e a mulher. Essa fala é importante para pensarmos sobre uma série de coisas: sobre a condição de vida das mulheres trabalhadoras (especialmente no Brasil); sobre a forma como tratamos esse tipo de mão de obra e, sobretudo, como a imensa maioria dos homens não se considera nem mesmo parcialmente responsável por essas tarefas.”
Desapegando do controle e igualando meninas e meninos
Atire a primeira pedra quem nunca foi lá supervisionar a louça que o parceiro lavou ou que ficou ligando de hora em hora pra saber se o marido seguia todos os protocolos de cuidado com a criança?
Desapegando do hábito de querer ter um certo controle de como o outro domina as obrigações seremos mais felizes e teremos o que tanto buscamos e o que é JUSTO: homens assumindo metade das obrigações da casa.
Para isso, é preciso também que meninos vejam suas representações masculinas pondo a mão na massa e desenvolvendo tarefas domésticas naturalmente. Assim como meninas precisam ver o quanto isso é normal e que elas não devem carregar o mundo nas costas.
Nana Queiroz e Helena Bertho, no livro ‘Você já é feminista!’, utilizam uma pesquisa que demonstra a distribuição de tarefas domésticas entre crianças entre 6 a 9 14 anos. Vejam os dados: 81,4% das meninas arrumam a cama contra 11,6% dos meninos; 76,8% das meninas lavam a louça e só 12,5% dos meninos fazem o mesmo; 65,6% das meninas limpam a casa, ante 11,4% dos meninos.
Com a distribuição de tarefas domésticas feita de forma equilibrada e justa o assunto deixará, quem sabe, de ser o trending topic nas nossas conversas.
Fica aí um assunto de extrema importância para levarmos para o Dia das Mulheres.